quarta-feira, 27 de julho de 2011

Pensão por morte

 A Constituição de 1988 estabelece que os planos de Previdência Social atenderão, mediante contribuições, à cobertura dos eventos de morte (CR/88, art. 201, I). O inciso V do mesmo dispositivo legal estabelece a pensão por morte do segurado, seja homem ou mulher, ao cônjuge ou ao companheiro e dependentes, observado que nenhum benefício poderá ter valor inferior a um salário mínimo.
Além do mencionado dispositivo constitucional, a pensão por morte é tratada nos arts. 74 a 79 da Lei 8.213/91, dispondo, em síntese, que a pensão por morte é o benefício previdenciário pago aos dependentes em decorrência do falecimento do segurado, sendo que tal benefício, nos termos do art. 26 da referida lei, independe de período de carência, e seu valor corresponde ao montante de 100% do valor da aposentadoria que o segurado recebia ou, ainda, daquela que fosse dele de direito caso o mesmo estivesse aposentado por invalidez na data de seu falecimento.
Para recebimento do referido benefício, de acordo com o caput do art. 74 da Lei 8.213/91, podem-se extrair os requisitos para que o dependente tenha direito ao recebimento da pensão por morte, a saber: a existência de beneficiários na condição de dependentes do falecido e a condição de segurado do de cujus. Com referência a este último requisito, mister esclarecer que, mesmo que o óbito tenha ocorrido após a perda da qualidade de segurado, desde que o mesmo já tivesse implementado todos os requisitos necessários para se obter a aposentadoria, será devido tal benefício ao dependente. [2]
A dependência econômica, enquanto requisito à pensão por morte, é presumida em relação ao cônjuge, companheiro e filho, nos termos do art. 16, §4º, Lei 8.213/91, devendo os demais dependentes comprovar a efetiva dependência econômica em relação ao segurado instituidor (falecido) mediante início de prova material e prova testemunhal, sendo inadmissível para esse fim a prova exclusivamente testemunhal, nos termos do art. 143, Decreto 3.048/99 – RPS e da jurisprudência dominante. Em relação à dependência econômica, ela não se confunde com simples auxílio financeiro e com aquele dinheiro eventual que não é destinado às despesas ordinárias da casa. Não bastasse isso, ela não precisa ser exclusiva, conforme interpretação em sentido análogo da Súmula 229/ex-TFR: “A mãe do segurado tem direito à pensão previdenciária, em caso de morte do filho, se provada a dependência econômica, mesmo não exclusiva”.
 Salutar ainda estabelecer que o direito à pensão ocorre com a contingência morte do segurado, não possuindo relevância alguma o fato deste, quando de seu falecimento, estar na atividade ou aposentado.

3.2 – PENSÃO POR MORTE – NOVAS VERTENTES

Anteriormente à CR/88, apenas a mulher tinha direito à pensão por morte previdenciária do homem, sendo que o homem só fazia jus à pensão por morte da mulher se inválido fosse. Não bastasse o art. 5º, que igualou todas as pessoas, vedando-se qualquer discriminação e preferência, o art. 201, V, CF/88, igualou homem e mulher para efeito de pensão previdenciária, veiculando norma de eficácia limitada, não prescindindo da interpositio legislatoris, que somente ocorreu com a edição da Lei 8.213/91. Neste sentido, o STF já se posicionou:   EMENTA Agravo regimental no recurso extraordinário. Pensão. Cônjuge varão. Invalidez. Ofensa ao princípio da isonomia. Precedentes. 1. A exigência de invalidez do marido para ser beneficiário de pensão por morte da esposa, no caso o óbito é anterior à promulgação da Emenda Constitucional nº 20/98, fere o princípio da isonomia contido no artigo 5º, inciso I, da Constituição Federal, uma vez que tal requisito não é exigido em relação à esposa. 2. Agravo regimental desprovido. Decisão: A Turma negou provimento ao agravo regimental no recurso extraordinário, nos termos do voto do Relator. Unânime.[3]     Além disso, somente a partir da promulgação e aplicação da referida lei é que a mulher ou homem, dependentes do falecido segurado, e beneficiários, portanto, da pensão por morte deste, puderam novamente contrair novas núpcias, sem que seu benefício pudesse ser suprimido, como outrora ocorria. Com o advento da referida lei, ainda que os dependentes do falecido segurado casem-se novamente, estes não perderão seus benefícios. Importante ainda mencionar é o fato de se admitir a concessão de pensão à companheira ou companheiro homoafetivo. Isto é, aquele que vive em união estável com pessoa do mesmo sexo está amparado pelo art. 16, I, Lei 8.213/91. Tal dispositivo seria, a nosso ver, desnecessário, afinal, a CR/88 já estabeleceu, como direito e garantia fundamental, a igualdade de todos perante a lei (CR/88, art. 5º, caput). Estas três vertentes trazidas à baila serão detalhadas, de maneira mais minuciosa, logo a seguir, devido à importância das mesmas, para o beneficio da pensão por morte do segurado, no contexto do Estado Democrático de Direito.   IV – PENSÃO POR MORTE – UMA VISÃO PARADIGMÁTICA   Tendo como ponto de partida a visão paradigmática acerca deste instituto, devemos, primeiramente, estabelecer que a nossa Carta Constitucional constituiu em Estado Democrático de Direito a República Federativa do Brasil (Art. 1º CR/88). E, em sendo assim, toda análise do direito deve ter como pano de fundo justamente este contexto. Neste sentido, analisaremos a pensão por morte a partir de uma visão paradigmática. Para tanto, tomaremos como parâmetro três situações, sendo elas: a igualdade entre homens e mulheres, a manutenção do benefício em caso de novas núpcias e a união homoafetiva. Muito embora estejam disciplinadas e garantidas pela CR/88, ainda que implicitamente, bem como a partir de uma interpretação teleológica da mesma, tais situações, na esfera previdenciária, assumem conotações distorcidas e, na maioria das vezes, sem embasamento jurídico algum. No que tange ao primeiro caso – igualdade entre homem e mulher para percepção do benefício -, este talvez, dentre os três, seja o que possui menor grau de complexidade. Talvez, isto se deva justamente ao fato de que o texto constitucional, de maneira expressa, assegurou esta igualdade para o recebimento do benefício da pensão por morte (Art. 5º, caput c/c art. 201, V CR/88). Neste sentido, tendo sido o segurado acometido da contingência morte, os dependentes deste (art. 16, Lei 8.213/91) farão jus ao referido benefício, independentemente de serem inválidos ou não. Passando à situação seguinte, pode-se afirmar categoricamente que, para a grande maioria das pessoas, existe uma informação equivocada acerca dos fatos em análise. Corriqueiramente, o que vemos e presenciamos a todo o momento, é uma completa paralisação das informações no tempo. Ocorre que, a partir da promulgação da Lei 8.213/91, pôs-se fim à velha história de se perder o benefício em caso de um dos cônjuges virem a contrair novas núpcias. Hodiernamente, a viúva que contrai novo casamento ou vive em união estável, não perde o direito à pensão que recebe pelo falecimento de seu ex-marido, exceto se da nova união derivar alteração econômica para melhor e, conseqüentemente, tornar desnecessário o pensionamento. Nesta última hipótese, deve ser oportunizado à beneficiária prévio contraditório a permitir-lhe comprovar que do novo casamento não resultou melhoria na sua situação econômico-financeira. Casar-se novamente, portanto, não tira o direito da mulher de receber pensão por morte do primeiro marido, desde que ela possa provar que a nova união não melhorou sua situação econômico-financeira, tornando dispensável o pagamento do benefício.  Ademais, a posição da magistratura é clara no enunciado da Súmula 170, do extinto Tribunal Federal de Recursos: "Não se extingue a pensão previdenciária, se do novo casamento não resulta melhoria na situação econômico-financeira da viúva, de modo a tornar dispensável o benefício”. Nos termos do art. 619 da Instrução Normativa nº 118, de 14 de abril de 2005, hoje vigente, que baliza os atos do Instituto Nacional de Seguro Social – INSS -, no tocante ao pagamento de proventos previdenciários, “é vedada a percepção cumulativa da pensão mensal vitalícia com qualquer outro benefício de prestação continuada mantido pela Previdência Social, ressalvada a possibilidade de opção pelo benefício mais vantajoso”. Nestes termos, aquele que for beneficiário da pensão por morte, caso case-se novamente, manterá o direito de percepção referente ao mesmo. Entretanto, caso venha a falecer o novo cônjuge, o beneficiário não poderá cumular tais proventos, podendo optar pelo benefício mais vantajoso. Por fim, no que se refere à união homoafetiva[5], embora esta não esteja expressamente prevista na Constituição de 1988, implicitamente ela encontra-se assegura pela Carta Constitucional, inclusive no que se refere ao benefício em comento. Tal assertiva tem como fundamento, primeiramente, o direito e garantia fundamental da igualdade de todos perante a lei, esculpido no art. 5º deste mesmo diploma.  Além disso, o art. 226, §3º do mesmo texto, reconhece a união estável como entidade familiar a ser tutelada pelo Estado. Embora o mesmo diploma faça menção expressão à união entre homem e mulher, ao tomar por base o já mencionado art. 5º, bem como o fundamento máximo da CR/88, que é a promoção da dignidade humana, inserida neste dispositivo, implicitamente, está a entidade familiar homoafetiva. Portanto, ao se estabelecer o direito à pensão por morte ao cônjuge ou companheiro e dependentes, o inciso V do art. 201 CR/88, consequentemente, incluiu aí a união homoafetiva. Igual entendimento encontra-se, inclusive, pacificado na jurisprudência de nossos tribunais.   RECURSO ESPECIAL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. RELACIONAMENTO HOMOAFETIVO. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.  MINISTÉRIO PÚBLICO. PARTE LEGÍTIMA. Em que pesem as alegações do recorrente quanto à violação do art. 226, §3º, da Constituição Federal, convém mencionar que a ofensa a  artigo da Constituição Federal não pode ser analisada por este Sodalício, na medida em que tal mister é atribuição exclusiva do Pretório Excelso. Somente por amor ao debate, porém, de tal preceito não  depende, obrigatoriamente,  o desate da lide, eis que não diz respeito ao âmbito previdenciário, inserindo-se no capítulo ‘Da Família’. Face a essa visualização, a aplicação do direito à espécie se fará à luz de diversos preceitos constitucionais, não apenas do art. 226, §3º da Constituição Federal, levando a que, em seguida, se possa aplicar o direito ao caso em análise. 5 -  Diante do § 3º do art. 16 da Lei n. 8.213/91, verifica-se que o que o legislador pretendeu foi, em verdade, ali gizar o conceito de entidade familiar,  a partir do modelo da união estável, com vista ao direito previdenciário, sem exclusão, porém,  da relação homoafetiva. 6- Por ser a pensão por morte um benefício previdenciário, que visa suprir as necessidades básicas dos dependentes do segurado, no sentido de lhes assegurar a subsistência, há que interpretar os respectivos preceitos partindo da própria Carta Política de 1988 que, assim estabeleceu, em comando específico: " Art. 201- Os planos de previdência social, mediante contribuição, atenderão, nos termos da lei, a: [...] V - pensão por morte de segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, obedecido o disposto no § 2 º. "7 - Não houve, pois, de parte do constituinte, exclusão dos relacionamentos homoafetivos, com vista à produção de efeitos no campo do direito previdenciário, configurando-se mera lacuna, que deverá ser preenchida  a partir de outras fontes do direito. 8 - Outrossim, o próprio INSS, tratando da matéria, regulou, através da Instrução Normativa n. 25 de 07/06/2000, os procedimentos com vista à concessão de benefício ao companheiro ou companheira homossexual, para atender a determinação judicial expedida pela juíza Simone Barbasin Fortes, da Terceira Vara Previdenciária de Porto Alegre, ao deferir medida liminar na Ação Civil Pública nº 2000.71.00.009347-0, com eficácia erga omnes. Mais do que razoável, pois, estender-se tal orientação, para alcançar situações idênticas, merecedoras do mesmo tratamento 9 - Recurso Especial não provido.[6]             CONCLUSÃO   A Previdência Social é uma das espécies do gênero Seguridade Social. A função precípua do referido sistema é justamente assegurar benefícios de manutenção aos beneficiários do segurado, de maneira a efetivar a dignidade humana daqueles.   Tal instituto, porquanto formado por um conjunto de regras e princípios próprios, encontra-se alicerçado na solidariedade humana. Nesse sentido, o que se afigura ali é a manutenção de algo a partir da contribuição, ainda que compulsória, daqueles que estão na ativa. Ou, dito em outros termos, a população ativa é que sustenta/mantém a população inativa.   A Previdência Social, busca resguardar/prevenir o segurado e seus dependentes de possíveis infortúnios. Estes, conforme o próprio nome remete, acontecem de maneia casuística ou, ainda, são contingências não se pode evitar. Dentre estes infortúnios temos a morte. No tocante a ela, a Previdência Social buscou fornecer aos dependentes do segurado uma forma de estes se manterem. Daí, falar em pensão por morte.   Tal benefício independe de carência e corresponde a 100% do valor total percebido pelo então segurado. Outra importante consideração reside no fato de que, a condição de segurado do de cujus não se trata de um requisito absoluto. A legislação, neste sentido, sabiamente dispõe que mesmo que o óbito do segurado ocorra após a perda da sua qualidade de segurado, desde que o mesmo tenha implementado todos os requisitos necessários para se obter a aposentadoria, será devido tal benefício ao dependente. Desta feita, mais uma vez percebe-se que a finalidade da Previdência Social em fornecer tal beneficio a quem é de direito, representa, antes de tudo, a preocupação desse sistema em manter o beneficiário e, conseqüentemente, promover-lhe a efetivação da dignidade.    Embora se tratando de um tema corriqueiro e afeto a todas as pessoas, das mais variadas classes sociais, a pensão por morte é um benefício sobre o qual ainda pairam dúvidas e, muitas vezes, distorções gritantes.   Corriqueiramente, muitas pessoas, receosas em perderem a pensão, não contraem novas núpcias ou, mais absurdamente, vivem em união estável, tão somente, no intuito, errôneo, de assim manterem a condição de dependente.   Conforme demonstrado alhures, o fato de contrair novo matrimônio não retira do dependente o seu benefício, a não ser que fique comprovado que dele adveio mudança significativa na sua condição econômica. E, de nada adianta viver em união estável porque esta relação, assim como o casamento civil, gera para os cônjuges todos os direitos e deveres inerentes à entidade familiar, dentre elas, o direito à pensão por morte, no caso de falecimento de um daqueles.    Além disso, tal benefício é devido aos homoafetivos que vivem em união estável. Embora não mencionada expressamente em nossos diplomas legais, basta uma interpretação teleológica do texto constitucional para se concluir que esta união encontra-se devidamente garantida.   Não bastasse isso, diante de todo o exposto, tal benéfico é devido a todas as pessoas, indistintamente, desde que as mesmas enquadrem-se no rol dos dependentes do segurado.   Assim sendo, como corolário do princípio da igualdade, não há que se falar em exclusão da pensão por morte por motivo de sexo, classe, função social ou qualquer outro meio discriminatório.   Entender diversamente, além de inconstitucional, representa um retrocesso jurídico. Afinal, na seara do Estado Democrático de Direito, o Direito Previdenciário, assim como outros ramos jurídicos, deve buscar, antes de qualquer coisa, a promoção e efetivação da dignidade da pessoa humana. Efetivação esta que somente se alcança a partir do momento em que as garantias constitucionais deixarem seu plano meramente legal, passando ao seu plano fático.

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